Escândalos como o do ex-presidente Collor impactam a economia e reforçam a busca por descentralização

No coração pulsante da sociedade brasileira, onde o sangue do capital deveria circular livremente para nutrir cada célula da população, há bloqueios silenciosos, coágulos corrosivos formados pela corrupção. Uma doença sistêmica que se aloja nos vasos centrais do poder, e que, ao invés de ser contida, é replicada como um vírus que encontrou um hospedeiro fraco. A prisão do ex-presidente Fernando Collor, décadas após seu afastamento, é mais do que uma memória reativada — é um sintoma ativo da infecção que persiste. Condenado por receber mais de R$ 20 milhões em propinas em contratos com a BR Distribuidora, Collor não é uma anomalia isolada, mas uma mutação recorrente dentro do genoma institucional do Brasil.
Como um organismo que sofreu tantas mutações que esqueceu sua forma original, o Estado brasileiro abriga em seu núcleo uma sequência genética corrompida. Essa corrupção sistêmica não se limita à manipulação de contratos, ao superfaturamento de obras ou à manutenção de privilégios. Ela altera o metabolismo do país. Desvia recursos vitais de órgãos essenciais como saúde, educação e infraestrutura, e os reencaminha para tecidos necrosados — contas ocultas, campanhas privadas, redes de favorecimento. O que deveria ser um sistema imunológico institucional — com tribunais, órgãos de controle e fiscalização — muitas vezes atua como cúmplice silencioso, inativo ou mesmo infectado pela mesma lógica patológica que deveria combater.
A consequência direta dessa infecção é uma anemia econômica crônica. Investidores recuam. Projetos murcham. O fluxo de capital se torna espasmódico, instável, como um coração com arritmia. A confiança, elemento essencial para qualquer sistema financeiro saudável, desaparece como um anticorpo esgotado diante de uma doença degenerativa. Cada escândalo — como o de Collor, como os muitos que se seguiram e se repetem — age como uma carga viral que derruba a temperatura da esperança coletiva.
Nesse cenário de decadência orgânica, uma nova linhagem de células começa a emergir. Diferente das estruturas tradicionais, essas células não dependem de um cérebro centralizado. Elas operam em rede, como um sistema nervoso alternativo, baseado em transparência criptografada e autonomia programável. São as finanças descentralizadas — DeFi — que começam a se comportar como anticorpos auto-organizados dentro de um organismo doente. Elas não esperam autorização para agir. Elas se replicam, adaptam, evoluem.
DeFi é mais do que uma tecnologia. É uma resposta imunológica. É o corpo social tentando gerar resistência a um sistema que o envenena de dentro para fora. Com protocolos como Aave, Uniswap, MakerDAO e Curve, qualquer usuário com acesso à internet pode emprestar, trocar, investir, sem depender de instituições centralizadas. Em vez de bancos protegidos por alianças políticas, temos contratos inteligentes auditáveis. Em vez de decisões arbitrárias em gabinetes, temos códigos abertos rodando em redes descentralizadas. É o equivalente digital de um sistema circulatório alternativo, mais transparente, mais justo, e cada vez mais eficiente.
Quando um governo é acusado de desviar milhões, o impacto não é apenas fiscal. O que morre não é apenas o dinheiro público, mas a fé. E é essa fé — ou sua ausência — que tem empurrado milhares de brasileiros a buscar alternativas. Quando o sistema bancário nega crédito, cobra tarifas absurdas ou congela contas sob ordens políticas, o indivíduo busca soberania em ativos digitais. Quando percebe que o real é manipulado por decisões centralizadas, ele encontra no Bitcoin um hormônio de equilíbrio. Quando se dá conta de que não há justiça distributiva, ele opta por protocolos que remuneram liquidez e transparência.
O escândalo de Collor ressurge como um lembrete de que o organismo central não se curou. Ele apenas adaptou seus sintomas. Se em 1992 vimos o confisco de poupanças como um choque direto no sistema circulatório da população, agora vemos a erosão contínua da confiança como uma hemorragia de longo prazo. A corrupção atual não arromba portas — ela instala backdoors silenciosos no código da governança. E é contra esses backdoors que a descentralização ergue suas defesas.
Na lógica simbiótica da Web3, cada usuário é uma célula soberana. Sua wallet é seu núcleo. Sua chave privada, o DNA que garante identidade e controle. Não há ministros que possam congelar, nem decretos que possam expropriar. Esse novo organismo aprende com cada falha. Protocolos que foram hackeados retornam com camadas de proteção. DAOs que sofreram golpes internos evoluem seus sistemas de governança. A mutação, aqui, é parte do processo — não de corrupção, mas de regeneração.
Enquanto isso, o Brasil ainda insiste em defender estruturas obsoletas com anticorpos vencidos. Reformas são anunciadas, pacotes anticorrupção apresentados com fanfarra, mas o corpo segue febril. Porque o problema não está apenas nos sintomas. Está no código. Está na repetição genética dos mesmos grupos, dos mesmos métodos, dos mesmos pactos. A descentralização, nesse contexto, é mais do que uma alternativa. É uma mutação necessária para a sobrevivência do organismo econômico.
O avanço das DeFi mostra que é possível construir sistemas de valor onde a confiança não é dada, mas programada. Onde as regras não são interpretadas por juízes nomeados, mas executadas por algoritmos auditáveis. Onde o acesso não depende de apadrinhamento, mas de conexão. Um agricultor no interior da Bahia, uma programadora em Curitiba e um estudante em Recife podem participar do mesmo protocolo, com as mesmas condições, sem atravessadores, sem favorecimentos. É a democracia financeira em sua forma mais pura — não apenas de acesso, mas de estrutura.
Claro que esse novo organismo também tem suas fragilidades. Há golpes. Há riscos. Há mutações oportunistas que tentam explorar vulnerabilidades — como ocorre em qualquer corpo em crescimento. Mas mesmo isso reforça a metáfora simbiótica: um organismo que aprende, que desenvolve resistência, que se adapta a cada novo desafio. Ao contrário do Estado, onde os mesmos erros são repetidos em ciclos, as DeFi corrigem, atualizam, evoluem em questão de blocos.
Fernando Collor foi apenas mais uma célula corrompida em um sistema que continua a replicar comportamentos patológicos. Mas o alerta está dado. Cada escândalo empurra mais brasileiros para a borda da desilusão — e dessa borda, muitos saltam rumo ao desconhecido descentralizado. Ali, não há garantias, mas há liberdade. Não há proteção estatal, mas há autocustódia. Não há estabilidade, mas há transparência. E esse tripé tem se mostrado mais confiável que qualquer promessa vinda do Planalto.
A busca por uma nova economia não é movida apenas por ideologia. É movida por sobrevivência. Quando o corpo centralizado entra em falência múltipla, as células criam redes entre si. E é isso que estamos testemunhando: um organismo social que, cansado de parasitas no topo, constrói vasos alternativos para continuar a existir. As DeFi, as DAOs, os tokens de governança, os NFTs utilitários, tudo isso são partes de uma nova biologia financeira, que pulsa fora das veias do sistema.
E enquanto a velha política continua a se alimentar do sangue público, a nova economia já germina em camadas subterrâneas. Não se trata mais de esperar por reformas. Trata-se de construir, bloco por bloco, uma nova forma de circular valor. Uma forma onde escândalos como o de Collor não têm espaço — não porque são punidos, mas porque são impossíveis.
A corrupção é um retrovírus. A descentralização é a vacina. E o futuro da economia brasileira pode depender de qual deles irá prevalecer.